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Posts Tagged ‘Universidade’

ou: πανκαταπυγια – δευτερος τομος

Neste último fim de semana tive um dos episódios mais dolorosos da minha vida, e dentre eles, o mais desesperador. Em 2001, tive apendicite, que por horas não me leva a complicações possivelmente letais. Em 2004, arranquei um ciso, e a picada da anestesia foi a dor mais intensa que já senti. Em 2006 tive cálculo renal, uma dor pior que a da apendicite, mas expelido rapidamente, pude obter o alívio com analgésicos e relaxantes. Na última semana, provavelmente causada por mudanças bruscas de temperatura, adquiri uma nevralgia do nervo facial esquerdo.

A nevralgia é uma inflamação dolorosa de um nervo. O nervo facial é vizinho do nervo trigêmeo e a nevralgia do trigêmeo, ou trigeminalgia, é conhecida como “doença do suicídio”, pois leva as pessoas a cometerem suicídio desesperadas pela dor. A minha nevralgia, graças a Deus, foi mais leve. O nervo facial dói menos, mas é igualmente desesperador. Não vou contar todo o meu itinerário hospitalar, mas digo que foi uma barra. Pouco antes de ser diagnosticado definitivamente, tudo que eu queria era que me dopassem, estava quase a implorar por isso, enquanto não conseguisse uma solução definitiva.

Contam da trigeminalgia que muitos são levados a arrancar dentes (às vezes metade da arcada), crendo que é uma dor de dentes. Passei por isso, por um bom tempo pensei se tratar de uma dor de dentes, e o desespero era tanto que eu aceitaria que arrancassem alguns deles, passando pelo doloroso episódio anestésico que já citei, para me livrar dela. Teria uma dor mais intensa ainda, mas breve, e que me curaria.

Há dores que curam. A picada de uma anestesia, a extração de dentes. Na vida, há outras dores mais sutis, que também são extrações. Ao falar de Amor, São Josemaria Escrivá relata de um discípulo que o escreveu dizendo que tinha “dor de dentes de amor”. O Santo disse que compreendia, e que gostaria que o discípulo o deixasse “fazer umas extrações”.

A dor de não amar verdadeiramente não é pungente como uma nevralgia ou a de um dente torto. E por isso não fazemos as devidas extrações, extrações necessárias para o reto caminho. Amar não é uma besteira de novela, não é um sentimento, acho que já falei demais disso por aqui, e o Julio falou melhor do que eu.

Só espero que ninguém (eu incluso) tenha que passar pelo desespero de uma “nevralgia da alma” para resolver o problema.

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Há muito o que falar de minhas recentes viagens, mas que fique claro: se há cidades com cultura no Brasil, essas são o Rio de Janeiro e Recife, além da óbvia São Paulo.

Aliás, o Rio de Janeiro é de uma elegância ímpar, parece que tudo lá cai bem. Os prédios geminados de Copacabana, ou as edificações antigas (e elegantérrimas) de Ipanema e da Urca, ou as Universidades da Praia Vermelha, tudo lá parece adequado, caindo bem, de acordo com a época construída. O prédio da UFRJ é um verdadeiro prédio universitário, não as caixas de concreto que vemos em São Paulo. E tem uma capela de invejar a mais antiga das PUCs.

Já Recife é mais high-tech. Em Recife há gruas, prédios e pobreza. É a Dubai brasileira, e é incrível como se percebe a diferença da colonização holandesa para a portuguesa sem saber descrever a diferença. É sutil, mas perceptível.

Agora Brasília é apenas uma coisa: moderna. Sendo construída na década de 60, tudo lá tem a cara da década de 70. Além disso, você tem a sensação de que tudo lá é estatal, é desesperador.

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Se você quer ser corajoso, há de ser primeiro um forte, caso contrário você é apenas idiota. Você não sabe atirar, não tem músculos, não sabe manusear uma faca. O que você vai fazer na linha de frente de uma batalha? Morrer sem sentido, essa é a resposta. Não serve nem de escudo humano.

É como aquele velho adágio: si uis pacem, para bellum. Os homens têm o dever de ser corajosos, então cabe-lhes a tarefa de ser fortes. Se não são, melhor não terem arroubos de coragem. Fazem melhor em começar a musculação. Contudo a coragem não é só a coragem física (mas não podemos deixá-la de lado), então preparemo-nos em outras áreas: agüentemos pressão e escárnio, sejamos cultos, inteligentes e sábios, afinal temos o dever de defender a Verdade, mas se não a conhecemos, melhor calarmos. É honestidade intelectual.

Nisso, o treinamento do BOPE mostrado em “Tropa de Elite” é excelente. Quem sai de lá sai forte em todos os âmbitos de atuação de uma tropa de elite: estão peraparados para risco de morte, dor, pressão, porrada. A Universidade deveria dar força intelectual, não o faz. Cria uns arrogantes que são, no máximo, cultos. Exatas inclusas. Eu incluso.

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Um dever entre os esposos, segundo o Padre Léo (da RCC), é serem bonitos e bem cuidados. Ele está certíssimo mas eu adiciono: é um dever de todo mundo prezar pela estética sua, dos seus, e das suas coisas. Bom e belo são conceitos idênticos no Grego, e semelhantíssimos ainda hoje (e não falo aqui do trocadilho da “mulher boa”). Sendo belos, embelezamos o mundo, sem contar que a Verdade é bela. Nas religiões não dicotômicas, ou seja, naquelas em que corpo e alma são indissociáveis e ambos fazem parte da integralidade da pessoa, isso torna-se bem claro: corpo são, mente sã, não é um mero hedonismo, era uma regra de vida de muitos monges. São Tomás fez um belo regime no fim da vida, e diz-se-ia que era possível amarrar suas pelancas entre si.

Falando nisso, um dos grandes bens de se ter uma barriga protuberante e querer reduzi-la é perceber certas verdades a respeito da vida. Se eu decido emagrecer hoje, e faço um regime por uma semana, até perderei alguns quilos, talvez seja visível a mudança, mas não estarei “magro”. Se eu rezo hoje, mesmo que o dia inteiro, não serei um grande místico amanhã. Se eu quero ser forte, não o conseguirei em um mês de academia. Se eu quero ser culto, sábio, santo, etc. Em todas essas situações concretas há situações de queda, que são os caminhos que existem para nos fazer desistir. Uma redonda barriga ajuda a enxergar isso com mais clareza. E consoante Nelson, a mulher barbada: “Até agora têm-se limitado a contemplar a barriga. Cabe agora transformá-la”.

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Às vezes, ao escrever aqui sobre coisas importantes, sinto-me um pouco hipócrita. A palavra, raro caso, é uma cujo sentido está inalterado até hoje. Vem de dois radicais gregos: ὑπό (hypo), inferior e κριτής (krites ou crites: juiz, raiz da qual sai também critério), ou seja, juiz inferior, aquele que julga de baixo: é exatamente esse o sentido atual: alguém que julga uma pessoa estando abaixo dela.

Muitas vezes, quando julgo uma situação, hipotética ou real, estou julgando de baixo. Contudo, há um certo dever em discernir o certo do errado, e chamá-los pelo nome. Ao cumprir esse dever, principalmente publicamente, corro o risco de ser um hipócrita, e muitas vezes sou. “Com o rigor que julgueis sereis julgado”, dizem Os Livros. Assumo o risco, até porque sou gordo, feio, burro, fraco e pecador!

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Muitos cristãos não têm uma noção muito simples: “todo mundo” é pecador. A modernidade, a “ateização” da sociedade, leva a ignorar muitos dos pecados, tornando quem escolhe ter esses “santos”, e cria uma compensação: há certos pecados proibidíssimos. Não me confundam, há sim uma escalaridade na gravidade dos pecados. Mas hoje, nesse mundo da “paz mundial”, versão moderninha do paz e amor hippie, o pecado proibido é a violência, mesmo que não seja uma violência pecaminosa. Jesus Cristo, que jamais pecou, se hoje fizesse um chicote para expulsar os vendilhões do templo, seria atacado pela mídia.

Guerras são necessárias. Mataram teus amigos e vizinhos e vão te matar. Pecado é não agir de forma violenta para impedir: peca-se por omissão. E nas guerras, violência é o método. Deus nos deu a ira e a força violenta para usarmos em caso de necessidade. Acontece que o usuário dessas forças é um pecador, e pode usá-las de maneira errada mesmo com reta intenção. Aí entra a “ética moderna” e crucifica-o.

No filme “Tropa de Elite”, os policiais do BOPE são violentos, têm até um pouco de sadismo, mas agem com a reta intenção de acabar com o tráfico, ou pelo menos reduzi-lo ou ainda contê-lo. São pecadores como eu, você, ou o maconheiro da esquina. Os traficantes, muitas vezes, agem por sadismo. São pecadores como todos nós, mas o pecado deles destrói vidas e impede os demais de prosseguir na virtude. Devem ser impedidos, e (reitero!) só podem ser impedidos por outros pecadores.

Nos anos 70, os EUA sofreram um surto de violência “gratuita” terrível. Não vou explorar as origens disso, vá ler o Olavão. A reação veio: Charles Bronson e o “Desejo de Matar” e Dirty Harry, o policial honesto, intransigente e violento, interpretado por Clint Eastwood. Capitão Nascimento — protagonista de “Tropa de Elite” — é o nosso Dirty Harry. Seja bem vindo!

Na primeira metade do filme, Nascimento marca muito ao dizer: “Eu sempre me pergunto: quantas crianças a gente tem que perder pro tráfico só para um playboy rolar um baseado?”. E bate, estapeia, humilha, tortura, ao mesmo tempo que chora, se condói, comemora e agradece. É a personagem mais bem construída que vi nos últimos tempos: ele é intensamente humano, plenamente pecador, mas age pelo que considera justo e correto. Não é um santo nem um demônio, não é um animal nem um “espírito evoluído”: humano. Choca-se com seus atos? Ora, olhemos para a nossa vida, para a nossa vileza! Será que o que fazemos não é tão ruim quanto?

“Tropa de Elite” é um filme excelente. Queira Deus seja o início uma reação como a que houve nos EUA nas décadas de 70 e 80. Eu li em um artigo de opinião no Estadão que ele abria uma nova era no cinema brasileiro: a era da pirataria (para quem não sabe, o filme será lançado dia 12 de outubro, mas já pululam cópias por aí) cinematográfica. Que o filme possa não ter apenas esse marco.

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Das razões deste escrito

Estive hoje, data da escrita deste documento, no Conselho de Representantes de Unidades (CRU), espécie de “senado” do movimento estudantil da Unicamp, sobrepujado em autoridade somente pela assembléia geral e pelos congressos anuais, e que congrega representantes eleitos de forma direta e representantes escolhidos pelos Centros Acadêmicos.

A pauta consistia da discussão a respeito dos “decretos do Serra” (São conhecidos dessa forma os decretos de 51.460 de 01/01/2007, 51.461 de 01/01/2007, 51.471, de 02/01/2007 e 51.636, de 09/03/2007 e 51.660, de 14/03/2007), cuja síntese (enviesada) pode ser lida em http://www.adunicamp.org.br/S%EDntese%20Decretos%20Serra.pdf . É consenso no movimento estudantil que esses decretos precarizam a Universidade Pública, tiram-lhe a autonomia, e fazem parte de um projeto privatista das Universidades (obviamente tramado pela burguesia).

Ao comparecer ao CRU — com dois amigos de quem discordo politicamente, mas dou testemunho de sua inteligência e honestidade — o que ouvi foi uma repetição, com palavras distintas, desses pontos. Às vezes uma pessoa que não estava sob os efeitos da Cannabis falava com uma dicção um pouco melhor, mas o conteúdo não mudava. Fiz uma fala, de alguns segundos, que reproduzo da melhor forma que lembro: “O debate aqui não passou da medula. Ninguém pensou nos pontos e só repete discursos prontos. As falas chegam à medula, e vem a reação imediata. Ninguém pensou no que é Universidade, no que a sociedade tem a ver com a Universidade, qual é o sentido do Estado, o que o Estado tem a ver com a Universidade. Ninguém pensou a respeito da dicotomia colocada por Bourdieu de sociedade e mercado. Retiro-me”. Alguns, ironicamente, pediram para eu fazer uma fala maior para “iluminá-los”. Disse que escreveria um texto. Embora ache que ninguém acreditou nisso, cá está o texto. Vou explicar a minha fala e tratar de alguns outras coisas que vejo no movimento estudantil e que me incomodam, com o intuito de ajudá-los a trilhar o caminho da honestidade intelectual.

Antes de tudo, um pequeno comentário

Um pouco antes do reboliço citado, chamei meus dois amigos a saírem da sala do DCE para fazermos um “debate qualificado” lá fora. Para quem não sabe, “debate qualificado” é como os comunistas se referem a qualquer debate em que eles consigam moldar a linguagem e ser a opinião hegemônica, já que assim ele está livre das amarras da “alienação”. Poderia fazer uma seção inteira com o glossário de termos comuno-socialistas, tais como “bandeiras históricas”, “unidade do movimento”, “educação superadora”, e os já citados “alienação” e “debate qualificado”. Só o último é necessário, e mesmo assim nem é tanto. Retomo a seguir.

No nosso debate qualificado, entre outras coisas, citei que achava um absurdo a burrice deles de não fazer “debates” com as duas (ou mais) opiniões a respeito do assunto, e sim uma voz única, já que mesmo que o intuito deles fosse doutrinar, eles só poderiam fortalecer as opiniões a seu favor expondo a opinião contrária. Nesse momento chegou um dos diretores do DCE, por quem tenho um especial apreço, e falei: “Meu comunista favorito, você não acha que só dá para formar uma opinião se forem expostos os dois lados?”, no que ele concordou inteiramente, e ainda reiterou citando o Princípio de Identidade. Em seguida perguntei: “Por que, então, não se fez nenhum debate com alguém favorável aos ‘decretos do Serra’?”, no que não obtive resposta.

Entre as hipóteses citadas pelos meus amigos para esse comportamento aparentemente desprovido de inteligência, lembro-me das seguintes: “vai que alguém muda de idéia” e “quantos desses estão realmente interessados em formar uma opinião sólida? Dos 35 que lá estão, acho que 33 não estão”.

Dos pontos que elenquei

Discursos prontos

Não é surpresa para ninguém (e é muito triste que não seja) que os debates estudantis (e muitas vezes os docentes) acerca de questões políticas só repetem alguns discursos prontos. Esses discursos são encontrados nas “reuniões de formação” dos partidos ou grupos políticos e em artigos de jornal de pensadores sociais tidos em boa conta pelos militantes estudantis.

Qualquer coisa que fuja disso, choca-os. Eles conhecem os seus discursos, os discursos do grupo político oponente, e brigam quem consegue mais falas, para fazer valer o ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Se alguém chega com algo diferente, inesperado, é clara a sua impotência ante a situação.

Já vi, por exemplo, propostas de algum raro estudante que usa o cérebro que contemplavam os dois lados da contenda. E o que acontecia? A proposta era negada por ambos os grupos, porque eles não sabiam como agir. Não estavam preparados para pensar, desligavam o cérebro e reagiam com a medula. É irônico o suficiente que eles só concordassem em discordar do que ambos concordavam.

Também era notório o embasbacamento temporário a que eu os submetia falando qualquer coisa que fugisse do molde do debate. Eles demoravam algum tempo para dar partida no cérebro, e o cérebro respondia para que eles usassem o trator e discordassem logo, porque ele não queria trabalhar. Afinal, cérebro de comunista não foi feito para ser explorado. Ai de quem tentar extorquir-lhe a mais valia!

O que é Universidade?

Eu não sei o que é Universidade além da minha vivência nesses últimos 6 anos. Também não sei a que ela serve nem a que ela deveria servir, exceto umas apostas que fiz, junto com alguns amigos, em duas teses a Congressos de Estudantes da Unicamp (essas teses estão publicadas no meu blog: Uma noite e meia e Angiosperma Dicotiledônea Cariófila — Abaixo a Média 7).

Já pensei no assunto, contudo, e tenho algumas opiniões temporárias, que eu não valorizo mais do que isso: opiniões. Tendo em conta o que é Universidade, a que ela serve e a que ela deveria servir, eu me posiciono a respeito dos pontos e penso a respeito de projetos possíveis para a Universidade.

Só duas coisas eu tenho certeza a respeito da Universidade, e são as únicas que aqui exporei. Minhas opiniões não interessam. Essas duas coisas são: ela deve servir à ampliação do conhecimento e buscar a verdade. Ampliação do conhecimento de quem? Não sei. Que tipo de conhecimento? Não sei. Verdade a respeito de que temas? Não sei. Tenho cá minhas opiniões, mas repito: não cabe expô-las aqui.

No movimento estudantil, todo mundo (Quando digo “todo mundo”, refiro-me a uma generalização razoável para que, em uma pesquisa estatística, a proporção da amostra que tenha aquela característica seja de 100%. Se você não se encaixa, não se sinta ofendido, mas antes encorajado a lutar para aumentar a proporção da sua característica e não ser desconsiderado), todo mundo diz que a Universidade deve servir à classe trabalhadora, e produzir um conhecimento social que contribua para a “transformação da sociedade” (mais um termo do duplipensar comunista, que significa simplesmente a implantação do socialismo (na verdade ele significa muito mais e mereceria um capítulo à parte. Fica para outra iniciativa.) ). Se eu pedir para alguém explicar o que isso significa, talvez eles não consigam cumprir.

Sociedade e Universidade

Nisso tudo, como a sociedade se relaciona com a Universidade? O que é autonomia para a Universidade, é seguir o caminho do conhecimento? É obedecer os anseios da sociedade? E esses anseios, são refletidos no governo? Onde a autonomia se encaixa nisso tudo? Eu, que evito usar a medula (tenho reações lentas, de fato), não consigo responder nada disso. Sem isso, não dá para discutir autonomia, rumos, e quais são os direitos que o governo têm sobre a Universidade.

Estado?

A conceituação de Estado também se faz necessária. É totalmente diferente um Estado mínimo liberal, um Estado “pequeno” conservador, um Estado de bem-estar social, um Estado grande (por exemplo, populista) e uma ditadura do proletariado nos moldes leninistas. Ao escolhermos o comportamento que desejamos do Estado é que podemos começar a falar de ingerência do governo na Universidade. Em quais dessas formas de Estado a autonomia pode ser defendida? Talvez em quase todos, mas com certeza não na “ditadura do proletariado”, já que o proletariado tem que patrulhar a Universidade (um aparelho ideológico, para Althusser) para evitar o renascimento dos ideais “burgueses”. Então, o que aquele bando de leninistas está falando de autonomia?

Sociedade e Mercado

O sociólogo Pierre Bourdieu dizia que, na sociedade capitalista, o conceito de sociedade se confunde com o conceito de mercado. Isso foi usado (de maneira correta) por um professor contra a “Universidade Nova”. Mas essa análise é mais ou menos “neutra”, no sentido que ela pode ser usada para tanto detratar o capitalismo, como para defendê-lo. E, se ele estiver correto, na sociedade capitalista a Universidade que corresponde aos anseios da sociedade é aquela que corresponde aos anseios do mercado. Não se pode defender a efetivação dos anseios da sociedade na Universidade ao mesmo tempo que se critica o seu caráter “mercadológico”. Isso é muito importante. É uma questão de honestidade, já que os “anseios sociais” que o militante defende nada mais são que os anseios dele.

Para se defender uma Universidade que não siga o mercado, é necessário que: ou se negue (intelectualmente, por favor, não com uma birra!) a tese de Bourdieu, ou não se coloquem os “anseios da sociedade” como guia para a Universidade, e sim um projeto de iluminados ou outra coisa que o valha, por exemplo, a tese conservadora: “a Universidade deve ser autônoma para suas pesquisas, e dane-se o resto”. Não deixa de ser irônico ver socialistas defendendo uma causa conservadora. O que eles não podem é defender isso e os anseios sociais ao mesmo tempo.

Da ignorância e da desonestidade

Há, basicamente, dois tipos de militantes estudantis: os ignorantes e os desonestos. Explico, com um passeio pelo pouco que conheço do marxismo, e de sua evolução intelectual.

Karl Marx postulou de uma maneira quase determinística o fim do capitalismo e o advento do socialismo, preparação para o comunismo. O desenvolvimento capitalista levaria à saturação do sistema e sua queda. O crepúsculo seria acompanhado da revolução socialista, que derrubaria o governo capitalista e imputaria a ditadura do proletariado.

Aos países que não tivessem atingido um desenvolvimento capitalista suficiente, caberiam duas opções para que alcançasse o estágio necessário para a revolução: serem destruídos ou atingir, sozinhos, esse desenvolvimento num prazo maior.

Marx também advertiu que o capitalismo tinha suas defesas, entre elas o “aparelho de Estado”, que mais tarde viria a ser chamado de “aparelho repressivo de Estado”, em contraposição à definição, de Althusser, dos “aparelhos ideológicos de Estado”. O “aparelho de Estado” consistia na polícia a serviço do governo burguês. Com Althusser, as sedes de formação social entraram na turma dos aparelhos, mas como aparelhos ideológicos: a escola, a Igreja, a família que, para ele, incutiam a ideologia burguesa na cabeça dos alienados coitadinhos.

Lênin, ao colocar na prática as idéias marxistas, descobriu duas coisas: a revolução poderia ser feita antes do desenvolvimento capitalista, que seria feito pela própria ditadura do proletariado; o “esquerdismo” não era benéfico ao projeto socialista, porque desviava o foco da revolução, através de demandas imediatistas ao Estado burguês. O próprio Lênin combateu o esquerdismo enquanto promovia o desenvolvimento capitalista na Rússia soviética, até ser sucedido por Stálin.(José Genoíno disse, em entrevista à Folha de São Paulo no dia 07/02/2005, que o governo Lula seguia a linha leninista de prover o desenvolvimento capitalista para criar as condições para a instauração do socialismo)

Contudo, os estudos posteriores de diversos autores do “Marxismo Ocidental”, principalmente Gramsci, Lukács e Horkheimer mostraram que o esquerdismo poderia ser útil ao movimento revolucionário, já que as suas demandas e manifestações serviam para degradar o Estado burguês ou as bases em que estava assentado. Dessa forma, os comunistas deveriam apoiar as causas esquerdistas e todas as causas “anti-ocidentais”, ou ainda “anti-logocêntricas”, pois isso serviria a transformar a opinião pública. Usando o Althusser, a idéia deles era tomar os aparelhos ideológicos de Estado para si, e usá-los no molde da mentalidade da população.

Isso é o básico do básico do marxismo. Eu li três capítulos d'”O Capital”, um do “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado” (de Althusser), algumas palavras espalhadas de Lênin, e apuds de Gramsci e da Escola de Frankfurt e isso é tudo que eu sei.

Existem três “gradações” de militantes marxistas: os primeiros sabem só o marxismo de Marx. Não avançaram até Lênin. Sabem teoria mas não sabem estratégia. Em seguida, há os que estudaram Lênin e conhecem estratégia marxista. Os que estão no DCE (ou pelo menos os seus capos) estão, majoritariamente, neste grupo. O terceiro grupo, aqueles que conhecem ou Gramsci ou a Escola de Frankfurt são uma minoria, principalmente alunos do IFCH e da Economia que se metem muito pouco com o movimento estudantil e, claro, os grandes ideólogos dos partidos de esquerda que formam sua baixa militância (seus idiotas úteis) nas Universidades.

Quando vejo os debates no movimento estudantil, vejo esquerdismos perdidos. Se os “esquerdistas” estão no primeiro grupo, eles são ignorantes, já que não sabem que o “esquerdismo é a doença infantil do comunismo”. Se estão no terceiro, são estrategistas que usam o esquerdismo para degradar o Estado burguês e, portanto, insinceros, já que dão a impressão de acreditarem naquelas causas. Eu ainda não consigo enxergar uma causa para militantes do segunda gradação defenderem causas esquerdistas, mas que o fazem, isso vejo com os meus olhos. Talvez recebam ordens de seus partidos, a única hipótese que fá-los parecerem com um mínimo de inteligência: não pensam, mas respeitam as ordens de quem pensa.

Pelo fim da maldade no mundo! Pela democratização do amor e da amizade

O título desta seção conclusiva é formado por duas propostas submetidas a Congressos de Estudantes da Unicamp, o que mostra o nível a que os debates caíram. A título de nota, a primeira foi rejeitada, a segunda foi aprovada com algumas alterações. As duas são bizarrices tremendas, a primeira é o desejo gnóstico-revolucionário, a segunda quer dar direitos constitucionais a respeito do amor a todos. Já pensou?

Da atuação dos partidos no movimento estudantil

Eu não preciso falar da torpeza que é a atuação dos partidos no movimento estudantil. Eles formam seus quadros, pagam cursinho, e falam em qual Universidade eles devem entrar. Por exemplo, neste ano três membros do PSOL entraram em Ciências Sociais, vindos de outros cursos da Unicamp. Uma garota, do mesmo partido, entrou em Letras, vinda de outra Universidade. Essa prática também é bastante difundida no PCdoB, e não duvido que aconteça o mesmo no PT, no PSB, no PDT e no PSDB.

Nada é tão maléfico ao movimento estudantil como isso. Se você pega um movimento com pessoas inexperientes, que discutem o que não sabem, mas que são honestas, é possível construir uma militância ética. Quando o compromisso das pessoas não é com os estudantes, mas sim com um partido ou com uma ideologia, não há nada que os estudantes possam fazer se não lamentar, ou, se tiverem força, juntar-se e peitar esses aproveitadores.

Também não preciso falar outra coisa: o que esperar da atuação desses partidos no governo da população, se na briga por um espaço bem menor, os “fóruns do movimento estudantil”, a coisa é tão vil? Que moral têm esses militantes para falar de ética?

Oração

O ensino superior espera ser populado por pessoas inteligentes, por pessoas aptas a ingressar em estudos superiores, o nome mesmo diz. Se não é isso que os militantes querem, a gente discute depois.

A Unicamp é conhecida nacionalmente, quiçá mundialmente por seus méritos na pesquisa acadêmica. Suas vagas são disputadas por alunos de todo o país, que buscam o brilhantismo em seus pares, para terem garantia de um nível de estudo adequado à sua prévia preparação.

Quando você pensa em um movimento político em uma Universidade de tal porte, você esperaria encontrar pessoas inteligentes, estudando a fundo os problemas que debatem, conhecendo o problema em toda sua amplitude, conversando com especialistas das mais diversas orientações e posicionamentos sobre o assunto.

E quando a situação que você encontra é, não apenas diversa, mas oposta a essa, com militantes repetindo discursos de partidos de meia tigela, submetendo-se a Zés Manés em vez de tomarem as rédeas do debate — fazendo jus à formação que deveriam ter –, com estudantes dos últimos anos de humanas não sabendo o básico do marxismo, ou fingindo que não sabem, a desolação não tem tamanho.

O que falei nesta tarde não foi com raiva, não foi para expressar superioridade. Foi algo sincero e repleto de tristeza. Não quero nem imaginar o que acontece nas outras Universidades, pretensamente piores do que a Unicamp. A Verdade liberta, mas nem sempre é agradável.

Tudo que podia fazer quanto a isso foi feito. Escrevi estas linhas. Não quero mudar o posicionamento político de ninguém, só quero honestidade e estudo. Mas sei que só um milagre pode mudar tão deteriorada situação. Rezemos.

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