Acho um absurdo a Igreja se meter assim nas questões de Estado! Ainda bem que a ciência prevaleceu sobre o obscurantismo, na questão das células-tronco embrionárias, ao contrário do que vimos em muitas ocasiões na história. Não podemos deixar a religião interferir na vida pública!
A oposição à escravidão, verificada no início do primeiro milênio, foi contra a base da economia romana, e contra o progresso material! Quando as luzes vieram, no renascimento, retomamos a escravidão, que nunca devia ter sido encerrada. E pra você ver como os católicos querem se meter na vida de todos, quando os bandeirantes quiseram botar os vagabundos dos índios pra trabalhar de escravos, os jesuítas não deixaram! Já na Idade Média, a regulamentação da tortura, obra de carolas, impediu que se torturasse alguém mais do que uma vez na vida e que se derramasse o seu sangue no processo, impedindo muitas investigações e tirando um poder lícito dos reis. Depois, a catequização dos índios e o combate ao infanticídio e às guerras fratricidas entre eles dizimou valores culturais antiqüíssimos, mostrando quão opressora é essa instituição.
Depois, na sociedade moderna, vemos que a Igreja impôs muitos de seus mandamentos na lei. Por exemplo, a proibição do assassinato acabou com o justo direito dos Estados sobre os seus cidadãos. E quer lei mais opressora que o atentado ao pudor? Por que não pode bacanais em público, como faziam os romanos? E o estupro, mero seguimento da natureza? Só são proibidos por causa da Igreja!
Não é só isso, em muitas outras coisas a Igreja e seus carolas interferiram nas leis até hoje, cometendo diversos impropérios e entraves à civilização! Por que não posso matar meus filhos se nascerem com deficiência? Por causa da Igreja! Pois onde ela não atuou, pode. Por que não posso bater na minha mulher caso ela me desobedeça? Por causa da Igreja! Onde esses reacionários católicos não têm vez, essa ação naturalíssima pode ser feita! Aliás, eu deveria ter o direito de matá-la a pedradas caso me traísse, mas os cristãos acabaram com esse direito!
E a pedofilia? Os gregos eram muito felizes com seus rapazotes, mas depois a Igreja, com seu moralismo, proibiu esse prazer! E os doentes? Que morram! Por que essa instituição tinha que se meter na vida dos saudáveis e inventar os hospitais? E ainda dar aos doentes direito de ser tratados gratuitamente, como pode? E essa história de educação gratuita e universidades? Invenção da Igreja Católica, o Estado não pode fazer isso! Por causa da Igreja, eu não posso arrancar a mão dos ladrões, matar o filho daquele que mata meu filho, eles impuseram uma série de coisas contrárias a tudo isso, que sempre foi feito na humanidade até a Igreja Católica se meter com seus tentáculos opressivos.
Está na hora de darmos um basta a esses que querem colocar seus valores religiosos nas leis. A luta continua!
Mais irônico do que nunca Luís Guilherme. Como diria um amigo teu e meu: esse teu texto é “veneno do bão”!
Boa noite Luís!
Parabéns pelo artigo, sensacional. Demonstra conhecimento histórico, ao contrário do discurso vazio sob o véu do laicismo.
Abraços,
ALlan
O que posso dizer a respeito de seu texto? Espetacular.
A ironia, essa figura de linguagem, é para poucos e você demonstrou saber trabalhar com ela…
Gostaria de ter a sua autorização para publicar esse texto em meu blog… (http://franc1968.wordpress.com) Posso?
Franc, pode publicar sim.
Todos os artigos aqui presentes podem ser copiados integralmente sem autorização, bastando citar a fonte. Cópias parciais precisam de autorização (vai que o cara mistura tudo para alterar o sentido do que eu disse).
Hanson,
Vendo esse post eu não posso deixar de ficar curioso: um dos métodos de extrair células-tronco embrionárias é esperando o embrião crescer até oito células e depois tirar apenas uma célula do embrião. É assim que o pessoal de fertilização in vitro faz para controlar doenças transmitidas por genes recessivos no cromossomo X, por exemplo, testando o sexo do embrião antes de ele ser implantado.
Eu sei que você não é porta-voz de nada, mas qual é a posição da Igreja Católica em relação a isso? Eu imagino que, em tese, não haja problema nenhum — é um processo mais ou menos análogo a doar meio litro de sangue para fazer uma transfusão, ou, se você preferir ser mais dramático, doar um rim, mas eu fico curioso pra saber se já houve algum pronunciamento da IC sobre o assunto.
Muito bom!
Muito bom, Luís!
Só se esqueceu de esculachar a Igreja por ter mandado aqueles monges medievais preservarem aquela antiquada cultura grega por meio da cópia de livros ao invés de mandá-los escrever material mais progressista.
Ah sim, “valores religiosos”. Cuidar dos outros e não fazer-lhes mal agora são “valores religiosos”. Além disso, a religião envolvida provavelmente é só a cristã.
Católicos
http://en.wikipedia.org/wiki/Prairie_dog
Batistas
http://en.wikipedia.org/wiki/Gorilla
Calvinistas
http://en.wikipedia.org/wiki/Lion
Metodistas
http://en.wikipedia.org/wiki/Ant
E se você acha que estupro é “seguimento da natureza”, você precisa assistir mais Discovery Channel.
É curioso, esse “vasto conhecimento de história” que pára há 6 mil anos atrás. Esquisto, também, o seu relato da legislação em países não-cristãos. Fiz amigos das mais diversas nacionalidades no orkut, a maioria de países asiáticos. Em nenhum destes países (e.g. Índia) a legislação sequer lembra o que você retratou com acusações levianas. Ou seja, em várias partes do mundo, os benefícios “trazidos pelo cristianismo” surgiram independentemente do cristianismo.
Todos os exemplos que vc deu de influência positiva da Igreja são do seguinte tipo: ela tentou impedir algumas pessoas de prejudicar outras. Por todos estes exemplos, corre o mesmo fio: o Estado provê pela segurança e liberdade individuais. De fato, muito disto se deve à Igreja. (Por outro lado, a obsessão mórbida da Igreja com o homossexualismo, ainda no século XX, era a base de leis absurdas, como a que nos custou Alan Turing.)
Agora, por algum motivo, vc parece achar que isto é equivalente à Igreja *mandar* nas pessoas. As seguintes manchetes hipotéticas são melhores analogias com o caso das células-tronco:
1. Pressão eclesiástica no governo cria lei do batismo obrigatório!
2. Igreja consegue anular a validade de casamentos civis!
3. Igreja continua impedindo casamentos do mesmo sexo! Homossexuais com parceiros estrangeiros continuam sem cidadania.
4. Escolas públicas terão sessão obrigatória de oração.
5. Influência de bispos faz criar novo imposto de 10% sobre toda a renda individual, a ser repassado às Igrejas.
E a infelizmente real
6. Igreja continua impedindo médicos de tratar pacientes. Alega existência de fantasminha dentro de células indiferenciadas, que apenas transportam íons por suas membranas.
Um “Estado laico” é um Estado que não privilegia nenhuma religião, não um Estado que nega tudo o que alguém religioso diz. Agora, é óbvio que o cerceamento de qualquer pesquisa médica pelo Estado deve ser justificado pelo Estado; e é igualmente óbvio que nenhuma justificativa existe no caso das células-tronco, exceto pelos fantasminhas dos judeus e cristãos. Se eu fundasse uma religião amanhã, que postulasse fantasminhas em perigo dentro de paralíticos, que só se salvariam caso o paralítico andasse novamente — e nenhum fantasminha numa simples célula — o Legislativo estaria preferindo o cristianismo sobre a minha religião. (Na verdade, algo como esta religião já existe — chama-se ateísmo, e o fantasminha dentro do paralítico é apenas a alegria de poder andar.)
Portanto, esta proibição é absurda, inconstitucional, e fere um princípio básico do Estado moderno. Independente das boas idéias que a Igreja já tenha dado.
Pietro, estava por esperar por esse comentário. Aliás, só faltava alguém falar isso para que eu escrevesse o meu próximo post. Mas em linhas gerais, meu argumento será: você só se escandaliza de não tratarmos os doentes porque você é de uma cultura cristã. Se você tivesse nascido em um país muçulmano, e vivido uma cultura muçulmana, muito provavelmente você acharia a coisa mais natural do mundo apedrejar uma mulher adúltera, se não achasse, mesmo o seu progressismo estaria baseado em valores muçulmanos. Toda a defesa decente das CTE tem como base a moral cristã e não outra. Mas essas pessoas não enxergam isso, e tentam atacar o próprio solo em que estão pisando.
Luis, esse texto está demais.
Toda a nossa civilização ocidental está, de alguma forma, alicerçada sobre a influência da Igreja. Seja mais, seja menos, lá está a influÊncia: seja no calendário, seja na divisão do tempo, seja na filosofia, seja na política, no Direito, na Ciência, na Sociedade… é uma influência tão vasta, e tão profunda, que nossa civilização confunde-se, em muitos aspectos, com a propria Igreja.
Quanto ao amigo Pietro, após a fertilização já há o indivíduo humano em potência. Essa potencialidade não é a mesma que há em um gameta, por exemplo. Com a fecundação, a carga genética da pessoa já está ali. A única coisa que precisa haver, para ela manifestar todas as suas potencialidades ÚNICAS e INDIVIDUAIS é um correto ambiente para seu desenvolvimento. E assegurar isso é, sim, um dever do Estado – como não?
Quanto ao absurdo colossal de achar que a alma é algo próximo a um fantasminha, não dá para comentar muito.
Apenas lembrando que a propria palavra “animal” vem do latim “ánima”, alma. E que isso vem da concepção clássica, sustentada pela Igreja, do conceito de alma. Daí vê-se que a influência da Igreja vai muito além do que alguns pensam…
Grande abraço, Luis!
Hanson wrote:
“[V]ocê só se escandaliza de não tratarmos os doentes porque você é de uma cultura cristã.”
Isto é absurdamente falso. Todas as culturas do mundo tratam seus doentes, com raríssimas exceções (sociedades extremamente militarizadas e focadas em “força”, e.g. Esparta), e, mesmo assim, são só alguns tipos de doença que não são tratados.
E não é só em culturas modernas; a figura do xamã/pajé/curandeiro está presente em culturas pré-históricas. Caralho, o juramento atual dos médicos vem de Hipócrates, de antes de 600 a.C.!
Há algo fundamentalmente simples aqui. Eu não “me escandalizo” se não tratarem os doentes. Apenas quero que o doente seja feliz, o que em geral envolve a remoção da doença. Esta empatia básica é uma característica humana fundamental (e comum a todos os animais sociais, que são muitos, e muito mais antigos que qualquer religião). Clamar esta empatia para o cristianismo é um absurdo biológico, refutado por qualquer olhar semi-atento ao mundo real.
Ao amigo R. B. Canônico, noto que a influência da Igreja deve parecer bem maior, para quem dedica muito tempo e energia a ela, do que para quem nem sequer se lembra que ela existe, no dia-a-dia. Em particular, esse entusiasmo um pouco excessivo acaba por atribuir à Igreja tudo o que a humanidade já fez, das pirâmides ao pão fatiado, sem oferecer muitas evidências de que a Igreja teve algum papel crucial em cada feito. (Cf as alegações infundadas, acima, de que o cristianismo é responsável pela simples empatia, e por itens quase universais de legislação.) Forçando um pouco a imaginação, quase consigo vê-los reclamando para a Igreja o crédito da idéia de respirar.
Além disso, vocês dois parecem estar fazendo um raciocínio do tipo “a Igreja já influenciou muito, portanto vamos continuar aceitando sua influência”. Isto é um absurdo argumentativo, não faz sentido algum.
Temos uma coleção de pessoas querendo tratar seus doentes, e vocês querem impedir. Vocês sabem que o único impedimento é religioso. Daí vocês dizem (falsamente): as pessoas só querem tratar os doentes por causa da Igreja. Ora, com perdão da linguagem, o que tem a ver o cu com as calças? Ainda que a Igreja tivesse tido a idéia de tratar doentes, daonde sai que ela pode nos proibir de fazê-lo?
O Estado laico — repito, pois ninguém respondeu — não se define por ignorar os religiosos, mas apenas por não privilegiar nenhuma religião sobre as demais, ou sobre a ausência de religião. Não obstante a enorme influência da Igreja em um monte de coisas, vocês *não podem* passar leis privilegiando a crença cristã em fantasminhas. (Com perdão do termo.)
O argumento via genética é absurdo em vários pontos:
(i) Você se importava com as pessoas bem antes de saber sequer que éramos feitos de células, que dirá da genética;
(ii) Toda a carga genética está contida não apenas nas CTE, mas em cada célula do seu corpo, incluindo as que morrem aos montes quando você toma banho;
(iii) É possível, com um “ambiente adequado”, transformar qualquer uma destas células em uma célula-tronco, com “potencialidade” de se transformar numa pessoa.
Ademais, os dois pontos centrais, “potencialidade” e “ambiente adequado” são extremamente ad hoc. Um óvulo é um “ambiente adequado” para o espermatozóide virar uma pessoa, num sentido tão plausível quanto o útero o é para um embrião. E todos os espermatozóides que morrem, cada dia que vocês não fecundam uma mulher, têm a “potencialidade” de se tornarem seres humanos, num sentido tão plausível quanto o embrião.
Se quiserem diferenciar uma célula fecundada dos dois gametas separados (que, aliás, é um processo estendido no tempo, “estar fecundado” não é exatamente binário), vão ter que apelar pra fantasminhas.
Pietro, acho que quem não entendeu o argumento foi você. O meu ponto não foi: “a Igreja deve mandar nas leis porque sempre foi assim”, mas ao contrário: “(quase) tudo que temos de valor moral, é porque é um valor moral que recebemos da Igreja” (inclusive os valores morais que usamos para atacar a Igreja). Não faz sentido, portanto, na questão das CTE, falar que a Igreja é obscurantista, porque ela já foi “obscurantista” diversas vezes (como no caso do fim da escravidão) e todos nós, hoje, concordamos. Escrito de outra forma: dizer que o embrião deve ser respeitado, hoje, é tão obscurantista como dizer que o escravo devia ser respeitado outrora.
Quanto aos doentes, a preocupação universal (não só com os doentes próximos) surge com a Igreja. Antes da Igreja (é só estudar história) só se preocupava com a saúde de um estrangeiro se ele fosse um escravo muito bom pra ser deixado morrer.
Voltando, não estou dizendo que você é obrigado a concordar com a Igreja, nem a aceitar que o embrião é um ser humano vivo com a mesma dignidade que eu ou você. Tudo que eu quero dizer é que não faz sentido:
1) reclamar do argumento por ser religioso, pois grande parte das nossas leis se baseiam em valores morais advindos do cristianismo ou do judaísmo e ninguém reclama;
2) Chamar de obscurantista a opinião da Igreja (pelos motivos já expostos no ponto (1)). Eu, de minha parte, considero obscurantista a religião civil moderna que não defende a vida intransigentemente, mas por mais que tivesse a mídia nas mãos (como esses “defensores da ciência” têm), não tentaria impor isso em todas as manchetes. E sim: dizer se um embrião é um ser humano vivo ou não é sempre uma questão religiosa, pois depende unicamente de julgamentos morais. Posso estar errado, mas pelo que percebi (nas discussões que tivemos sobre este tema e outros correlatos na lista do CACo), para você uma vida só tem sentido quando existem laços afetivos com outras vidas. Isso não dá para provar cientificamente, são apenas os *seus* julgamentos morais. Em outras palavras, a sua religião.
Não creio que haja qualquer analogia entre o obscurantismo de dizer que há fantasminhas na célula, e o “obscurantismo” de dizer que escravos têm consciência, pensamentos e sentimentos. No segundo caso, é possível apontar coisas no mundo real que correspondem ao que dizemos, pelo menos se já aceitamos que não-escravos possuem estas features. No primeiro caso, contudo, o resto de nós tem que se fiar nos papos que vocês batem com deus. (Aliás, uma das principais influências da Igreja foi justamente esta: fazer as pessoas colocarem, em pé de igualdade, asserções diretas, concretas e verificáveis, e asserções vagas, metafísicas, de sentido elástico, sem nenhum vestígio de evidência. Isto é terrível.)
Quanto aos doentes, talvez isto seja verdade do povo hebraico e redondezas, onde, por uma contingência histórica, a Igreja começou com estas idéias. Mas no resto do mundo também apareceram culturas com idéias semelhantes.
Ademais, o trato da Igreja com estrangeiros é um pouco menos que estelar: há passagens no *livro sagrado* de vocês onde é glorificado o ato de invadir as terras dos outros, e matá-los todos (incluindo mulheres, crianças e animais). E os países mais católicos do mundo — Portugal, Espanha e França — reagiram a estrangeiros com genocídio e escravidão (aliás, outra coisa suportada pelo Velho Testamento).
Respondendo,
1) Você disse que o argumento não era esse, mas aí está ele de novo: “já aceitamos tanta coisa da Igreja, vamos continuar aceitando”.
Todos os “valores morais advindos etc”, de que você se gaba, dizem respeito a fatos concretos do mundo real, e, como já disse, grande parte são extremamente universais. (Trans-espécie, até.) É muito mais justo dizer que os valores morais judaico-cristãos vêm, em grande medida, destes princípios universais, do que vice-versa. (Princípios num sentido puramente biológico.)
Porém, no caso das CTE, o “valor moral” é apenas “não busquem esta chance de andar novamente, tem um fastasminha aqui nesta célula, vai por mim”. Tenha dó.
A reclamação não é que o argumento é “religioso”, no sentido “foram religiosos que disseram”. Como você apontou, já aceitamos coisas que religiosos disseram. (O Estado laico não se define por negar, etc etc.) A reclamação é ele ser religioso no sentido “não existe, nem pode existir, nenhuma evidência de que vocês estão falando coisa com coisa”.
2) Você parece querer inutilizar as palavras “obscurantismo” e “religião”. Uma coisa está “obscurecida” quando seus proponentes não conseguem, ou se recusam, a explicá-la ou demonstrá-la a contento. Uma “religião” é algo que supõe entidades sobrenaturais.
A “religião civil moderna”, bem como os meus “julgamentos morais”, não supõem nada disso, e é difícil ver por que seriam taxados de religião, mas não a minha preferência por feijoada.
A “religião civil moderna” não defende a vida intransigentemente porque isto é uma impossibilidade prática, e de relevância duvidosa. Você mata milhões de células para tomar banho, e previne centenas de humanos de existirem, por não fecundar mulheres todos os dias.
Todas estas células têm a mesma “potencialidade” que qualquer embrião, bastando um “ambiente adequado”. Todas elas têm a mesma carga genética que o embrião, e estão tão “vivas” quanto ele (mesmo tipo de resposta a estímulos etc). Não é necessário uma teoria elaborada do direito à vida para considerá-los indistinguíveis.
Mas é necessário uma teoria extremamente peculiar de fantasminhas para distingui-los, e ainda por cima dar conta dos fenômenos:
(i) Às vezes o embrião se parte em dois e nascem duas pessoas (o fantasminha se parte?);
(ii) Se você der um choque adequado no embrião, ele pára de se desenvolver e fica uma célula comum (o fantasminha vai embora?);
(iii) Com outro choque adequado, o embrião volta a se desenvolver (o fantasminha retorna?); etc.
Btw, nunca falei nada parecido com o que você disse, sobre laços afetivos. Apenas notei, no meio da avalanche usual de argumentos via material genético e não sei o que mais, que *ninguém* se importa com estas coisas.
Ninguém soube da genética durante séculos; nós mesmos, quando crianças, não sabíamos, e isto nunca teve a menor relevância para nos importarmos com os outros. Gente morta tem o mesmo material genético do embrião. Se você ligar um cadáver suficientemente inteiro num respirador e no soro, ele continua até exercendo as funções vitais. Mas ninguém está por aí lutando pelo direito de cadáveres de não apodrecerem.
A coisa óbvia, pra que todo mundo liga, são as diversas manifestações de consciência. Até vocês, com a história de “alma”. Se eu conseguisse produzir fetos sem cabeça em laboratório, que se desenvolvessem completamente e nascessem bebês sem cabeça, vocês alegariam que eles não têm alma. (Aliás, se uma CTE vira só um monte de neurônios, que acontece com a alma que ela tinha?) Mas se eu desenvolvesse fetos sem fígado, ou sem pernas, de repente eles teriam alma.
Em suma, o critério genético é uma invenção puramente ad hoc, que tenta enfiar alguma menção do mundo real na defesa de um ponto de vista cuja motivação pouco tem a ver com ele.
A consciência ainda guarda muitos mistérios, mas já entendemos o bastante para saber que e.g. uma geladeira *não* tem consciência. Uma célula-tronco, desprovida de qualquer resquício de sistema nervoso, tampouco. Em qualquer quesito sequer tangencialmente relacionado com consciência, uma CTE é indistinguível de uma célula da pele.
Último comentário: engraçado como, no seu texto, você cita a Igreja como responsável pela humanidade parar de perpetrar vários atos maléficos, muitos dos quais são *advogados no Velho Testamento*!! (Escravidão, genocídio, estupro, agressão à esposa, apedrejamentos, olho-por-olho…)
Fica difícil conversar sobre células tronco embrionárias quando se joga toda uma ciência (a Filosofia) no lixo e se rotulam os argumentos contrários ao uso de embriões como fruto exclusivo da crença em “fantasminhas” (por favor: “almas” é mais curto e não fere o sentimento religioso de ninguém).
E tenho uma dúvida: se a via genética não tem valor argumentativo, qual seria o critério para definir o que é um ser humano e a partir de quando deve ser tratado com dignidade?
-É a consciência? Ou seria o número de pessoas que se importam com o ser em questão?
Até onde eu sei, a maior parte das pessoas se importa com seus parentes em coma (ou seja, inconscientes). Pode-se argumentar que é porque já tiveram “manifestações de consciência”. Ora, embriões também podem vir a ter manifestações de consciência, se lhes for permitido se desenvolver. Ou então pode-se matar bebês no útero ou neonatos com poucas semanas (mas qual o critério para identificar o surgimento da consciência num bebê?).
Se o critério mestre para definir a dignidade humana for o número de pessoas que se importam com o grupo em questão, acho que precisaremos fazer um referendo mundial para identificar quantas pessoas se importam com cada grupo. Ou o referendo pode ser nacional? Será que os alemães fizeram um referendo nos anos 30 para definir se os judeus eram humanos ou não? Será que eles nunca se importaram com os judeus antes disso?
Só porque sempre foi assim (porque a genética nunca teve relevância para nos importarmos com os outros), não quer dizer que isso não possa mudar. O conhecimento sobre genética é bastante recente e, portanto, ainda leva um tempo para se integrar ao dia-a-dia das pessoas. E, porque é um problema recente, ainda leva um tempo até algum teólogo se debruçar sobre os pertinentes questionamentos que o Pietro propôs.
Texto belíssimo! Devia estar na mídia gorda…
Pax et Bonum!
A propósito, também o reproduzirei.
Pax et Bonum!
[…] Estado laico, pero no mucho Belíssimo texto do Luíz Guilherme, do blog Abafos e Desabafos: […]
Hanson, parabéns pelo texto!
Outra coisa, lembre-se de Chesterton. Poetas e artistas não ficam loucos. Quem fica louco são jogadores de xadrez e matemáticos. O louco não é quem perdeu a razão. O louco é aquele que perdeu tudo, menos a razão. Não adianta dizer para o esquizofrênico que ele está errado e não estão perseguindo ele. Logicamente ele concluirá que você faz parte da conspiração.
Siga o conselho do João e reza!
Abs
Hanson,
Dez, seu texto.
Existe uma coisa que muita gente não entende. O Giovanni Reale em um dos seus volumes do História da Filosofia, que fala sobre o Cristianismo diz que você pode filosofar à luz do Cristianismo, ou contra o Cristianismo. Você só não pode ignorar a sua existência como um dos fatos mais relevantes na história. O Cristianismo teve um impacto no mundo ocidental que não dá para pensar fora dele.
Infelizmente, muita gente não percebe que seu modo de pensar está diretamente vinculado ao cristianismo e à Igreja Católica.
Você pode discordar da Igreja, mas você só pensa assim, porque um dia ela existiu. Tem jeito não!
Politica e religião podem até ser dispares, mas atingem um publico em comum
parabens pelo texto.